Adolescentes negligenciados: faltam políticas visando prevenção de problemas de saúde mental na idade em que a maioria deles começa, aponta levantamento do Instituto Cactus

Adolescentes negligenciados: faltam políticas visando prevenção de problemas de saúde mental na idade em que a maioria deles começa, aponta levantamento do Instituto Cactus

10/07/2021 0 Por Redação

Com maior possibilidade de prevenção, jovens enfrentam a falta de políticas educacionais, assistenciais e de ferramentas que incluam apoio às famílias

A adolescência é um período de extrema vulnerabilidade e mudanças, o que torna os jovens potenciais vítimas de condições de saúde mental. Ao mesmo tempo, é um período muito propício para a prevenção, tendo em vista que é  um processo de mudanças contínuas, onde os traços da identidade e formação ainda não estão cristalizados.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, em 2013 havia uma taxa 10,8% e 12,7% de condições de saúde mental entre as crianças e adolescentes [de 0 a 19 anos]. Entre os problemas mais comuns estão a ansiedade (entre 5,2% e 6,2%), problemas de comportamento ou conduta (entre 4,4% e 7%), hiperatividade (entre 1,5% e 2,7%) e depressão (entre 1% e 1,6%). Para se ter uma ideia, estima-se que no país existam mais de 53 milhões de crianças e adolescentes, então 1% representa 530 mil.

“É extremamente importante falar sobre prevenção e intervenções precoces e ter esse olhar para os jovens, já que 50% das condições da saúde mental se manifestam até os 14 anos, e 75% até os 24 anos, sendo que a  maior parte disso passa sem diagnóstico ou tratamento”

aponta Luciana Rossi Barrancos, Gerente Geral do Instituto Cactus, organização que promoveu o levantamento

Outras pesquisas mostram incidências até maiores de quadros mentais em alguns recortes. Por exemplo, um estudo feito entre adolescentes que estavam nas escolas em 2015, e publicado na Revista de Saúde Pública em 2016, encontrou uma prevalência de até 30% dos transtornos mentais mais comuns na população, nessa faixa etária.

A taxa era mais elevada entre as meninas (38,4%) do que entre os meninos (21,6%), e maior entre os que tinham de 15 a 17 anos (33,6%). Nesses casos, também foram mensuradas questões como transtornos alimentares e insatisfação com a imagem corporal.

Apesar de a fase da adolescência ser importante para a definição da identidade dos indivíduos e um período conhecido por suas turbulências e incertezas, o levantamento Caminhos da Saúde Mental, desenvolvido pelo Instituto Cactus e disponibilizado gratuitamente para download, mostrou que muitas vezes ele é mal compreendido, o que contribui para a criação de estigmas.

É comum ver os adolescentes sendo chamados de aborrecentes ou mimados. A UNICEF identifica que os agravos sofridos pelos adolescentes podem comprometer tanto sua saúde quanto a qualidade de vida, tendo em vista que ainda no período de formação é comum que os jovens não tenham ferramentas para lidar com essas frustrações e recorram a práticas de automutilação e até mesmo suicídio. 

“Intervenções voltadas ao público adolescente podem influenciar tanto suas vidas atuais, quanto o futuro e as próximas gerações. Precisamos falar sobre isso”

reforça Barrancos

De fato, quando vemos os dados de violência autoprovocada, entre  2011 e 2018, 45,4% dos episódios foram realizados por jovens entre 15 e 29 anos, sendo que 67,3% foram cometidos por mulheres. Em relação ao suicídio, entre 2011 e 2017 foram registrados 80.352 casos no Brasil, sendo 27,3% na faixa entre 15 e 29 anos e 79% do sexo masculino.

A adolescência também é um período de experimentações, e pesquisas têm identificado um aumento de atendimentos a adolescentes em uso de substâncias psicoativas. Entre 2008 e 2012 foram realizados 151.330 atendimentos a crianças e adolescentes por uso de substâncias psicoativas em CAPS de todo o Brasil, com aumento da taxa de atendimentos por 100 mil habitantes de 39,6 em 2008 para 76,7 em 2012. 

Sobram problemas, mas falta apoio

O Instituto Cactus mapeou que são poucas as iniciativas que visam a saúde mental dos jovens, mesmo com tantos dados de peso evidenciando a importância de investir nesse aspecto.

Nas escolas, por exemplo, a inclusão de novos elementos curriculares, como o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, requer que os próprios professores e as escolas possam receber a formação adequada para esse fim. Mas até 2019, 37,8% dos docentes dos anos finais do Ensino Fundamental não possuíam titulação em grau superior compatível com as disciplinas que lecionavam, sendo que na região Nordeste esse percentual é de 52,9%. Para o Ensino Médio tem-se 29,2% dos educadores com formação não compatível no país.

Ao mesmo tempo, algumas das iniciativas do terceiro setor que abordam essas brechas não se encontram conectadas com as políticas públicas de forma clara, como o ensino das artes e a prática de esportes. Mais do que um passatempo, essas iniciativas buscam oferecer um espaço importante para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, estimulando a construção de disciplina, inteligência e cooperação, assim como permitindo que os adolescentes se sintam como pessoas válidas na sociedade.

No entanto, falta mais articulação entre essas ações e as políticas públicas de forma mais sistemática, limitando a efetividade e o alcance dessas intervenções.

Esses são apenas alguns exemplos do abrangente panorama que o Instituto Cactus fez em seu estudo, e que refletem a tratabilidade, a importância e a negligência no que tange a saúde mental dos jovens.

Avanços e retrocessos

Especificamente, as políticas de saúde mental dirigidas ao grupo dos adolescentes começaram a ser desenvolvidas de maneira sistemática a partir dos anos 2000. Até o advento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), não existia enfoque nacional para a saúde mental de crianças e adolescentes, mas sim uma abordagem estigmatizante e punitiva para as camadas mais desfavorecidas. Então, no início do século 21 foi iniciado um processo mais robusto de atenção à saúde mental infantojuvenil por meio do estabelecimento de responsabilidades, diretrizes e ações prioritárias do SUS em construir redes de cuidado a partir de estratégias de articulação intersetorial entre a saúde e setores como educação, justiça e assistência social. 

Um marco importante nesse sentido foi o investimento de recursos, a partir de 2002, em Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSij).

Os serviços oferecidos pelos CAPSij e pelas UAi trazem oportunidades de desenvolvimento diferenciadas para os adolescentes que apresentam algum tipo de transtorno, mas não estão presentes em todo o país, o que é um ponto de atenção quando o tema é o alcance das políticas públicas. Em 2014, havia 208 CAPSij registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos da Saúde, localizados em 23 unidades da federação e no Distrito Federal – Acre, Roraima e Tocantins não contavam com os serviços oferecidos pelos CAPSij.

 “Apesar de ainda negligenciada por muitos, a adolescência é um período chave para falarmos de saúde mental, já que representa importante processo biológico, fisiológico e psicológico de desenvolvimento cognitivo e estruturação da personalidade e identidade”

finaliza Barrancos

No entanto, o movimento das políticas públicas em saúde mental para adolescentes não está sendo aplicado de forma consistente e ,a partir de 2015, ocorreram mudanças importantes nas políticas de saúde para adolescentes no país, indicando um retorno a abordagens que haviam sido superadas no passado, com a ênfase dada à institucionalização ao invés do preconizado cuidado baseado na comunidade.

Em relação às políticas que incidem sobre o uso de substâncias psicoativas, por exemplo, o enfoque mudou de um esforço de reinserção social para a indicação da internação de crianças e adolescentes como estratégia de tratamento, entre outras medidas como a autorização para internação em comunidades terapêuticas.

Por fim, no campo da assistência social, as ações têm dado pouca atenção à instrumentalização das famílias para apoiar os seus membros adolescentes. Com frequência as famílias não sabem como apoiar os adolescentes. A baixa instrução e a falta de perspectivas de futuro obstaculizam o caminho para os pais apoiarem os seus filhos. É preciso agir sobre isso, e dar ferramentas para os jovens participarem da construção de seu futuro, mas com ajuda e orientação adequados.

Sobre o Instituto Cactus

O Instituto Cactus é uma organização sem fins lucrativos que trabalha para a prevenção e a promoção da saúde mental no Brasil, através da geração de conhecimento, implementação de ferramentas de prevenção, colaboração em políticas públicas, articulação de ecossistemas e conscientização da sociedade sobre o tema.

O conselho consultivo do Instituto reúne nomes Christian Dunker, psicanalista, professor Titular em Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP, Natalia Cuminale, jornalista especializada em saúde e fundadora do Futuro da Saúde, Márcio Bernik, psiquiatra e coordenador do Laboratório de Ansiedade da Faculdade de Medicina da USP, Marcia C. Castro, chefe do Departamento de Saúde Global e População na Faculdade de Saúde Pública de Harvard, e Marina Feffer Oelsner, Co-fundadora do Generation Pledge.

Em parceria com o Instituto Veredas, o Cactus desenvolveu o projeto Caminhos em Saúde Mental, com o objetivo de oferecer um entendimento amplo e complexo sobre esse campo no Brasil e assim entender melhor em quais campos é preciso uma atuação mais ferrenha. Mais informações: https://www.institutocactus.org.br/